Coordenadoria de Recursos Humanos

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Mãe substitutiva

Em que pese a maior parte das atividades da área de recursos humanos consistirem em tarefas rotineiras, não são raras as situações controvertidas, que requerem do servidor que lida com gestão de pessoas uma elevada dose de tirocínio e sensibilidade. Mesmo diante da profusão de diplomas normativos que o cerca (Constituições, Leis, Decretos, Resoluções) que ingenuamente pretendem cuidar de todas as matérias relevantes para o funcionalismo e por mais astuto e eficiente que seja o legislador, a característica peculiar da sociedade é a sua constante mudança, de modo que, nem sempre, encontramos no direito posto a resposta a todas as nossas necessidades. Esse problema é especialmente gravoso no âmbito da administração pública, pois, conforme se sabe, diante do princípio da legalidade, o administrador só pode atuar quando expressamente autorizado por lei.

 

Recentemente vivemos uma situação assim. Inédita e peculiar por uma série de razões. Tratava-se no caso concreto de requerimento formulado por determinada servidora pleiteando licença gestante. Até aí tudo bem, uma vez que o instituto é previsto no Estatuto dos Servidores Públicos Estaduais bastando, para sua concessão, a apresentação da certidão de nascimento da criança. Ocorre que, em que pese à servidora ser a gestante, tecnicamente ela não seria mãe, pois, tratava-se do que se denomina atualmente de gestação em substituição. Ou seja, a servidora havia se prontificado a gerar em seu ventre um filho que ao final seria biológica e juridicamente de outra pessoa. Biologicamente porque o material genético não era seu. E juridicamente porque o registro da criança seria realizado pelos pais biológicos, ou seja, por aqueles que haviam doado o material genético. Não haveria deste modo, no mundo externo, qualquer relação jurídica entre a gestante e o recém-nascido. Veja que referimo-nos tão somente à relação jurídica, que ao fim e ao cabo, é o que nos compete analisar, embora seja inevitável não se envolver sentimental e afetivamente com determinadas situações.

 

Mas voltando ao que interessa, prescreve o artigo 198 da Lei nº 10.261/68 e suas alterações posteriores que a licença gestante será concedida mediante apresentação da certidão de nascimento. Ora, como poderíamos conceder a licença mediante a apresentação de um documento que atestava que o filho gerado por aquela servidora não era seu? Como se vê, a vida e suas diversas vicissitudes nem sempre cabe na letra fria e, por vezes, morta da lei. Mas afinal, teria aquela servidora, prostrada à frente do gerente de recursos, com uma barriga enorme e prestes a dar a luz, o direito à licença gestante? Como justificaríamos a concessão da licença diante das peculiaridades do caso? Mas também como negaríamos? Enfim, forçoso nos foi reconhecer, com resignada humildade, que nem nós e muito menos a lei temos as respostas para todas as perguntas.

 

Resolvemos então alçar o expediente à manifestação da Unidade Central de Recursos Humanos imaginando que, enquanto órgão central e num Estado enorme e tão densamente populoso como São Paulo, por certo, aquela situação haveria de ter se verificado em algum lugar. Ledo engano. Tratava-se de caso inédito, sem qualquer legislação que o regulamente. Deste modo, diante das peculiaridades até aqui apontadas, julgou-se necessária a manifestação da Consultoria Jurídica. A essa altura, nem tínhamos mais a pretensão de receber um posicionamento legal ou jurídico para a questão, mas de ao menos entender como deveríamos proceder no caso concreto.

 

Opinou a Consultoria Jurídica da Secretaria de Planejamento e Gestão que a servidora não faz jus ao benefício, pois a licença destina-se aos cuidados com o recém-nascido e não à gestante e, como a gestante não ficaria com a criança, não se justificava a sua concessão. Por outro lado, entendeu que à servidora poderia ser concedida licença saúde, a critério da perícia médica oficial.  No caso específico, por se tratar de servidora ocupante exclusivamente de cargo em comissão, cujo vínculo previdenciário é com o Regime Geral de Previdência Social, propôs a oitiva do INSS para que se posicionasse sobre o tema. E por fim, encaminhou o caso à apreciação da Procuradoria Administrativa, da Procuradoria Geral do Estado a fim de que se firme parecer como orientação geral para a administração pública estadual, até que a matéria seja regulamentada por lei.

 

A presente discussão, conforme se vê, não tem por finalidade analisar o acerto ou desacerto da posição firmada ou sugerir qualquer outra opção. O caso concreto narrado pretendeu, tão somente, evidenciar aquilo que intuitivamente todos sabemos: o nosso papel é gerenciar pessoas e em que pese o nosso dever de seguir o que nos determina as leis e os regulamentos, o nosso dia-a-dia é muito mais rico, muito mais intenso e muito mais angustiante do que a primeira vista pode parecer. E quem assumiu o papel, diga-se de passagem, o nobre papel de ser um gestor de pessoas, deve estar preparado para esses enfrentamentos. Seguindo a lei, é claro, mas sem perder a sensibilidade e a ternura que, ao final, é o que nos identifica e diferencia.      

 

José Dannieslei dos Santos

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